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Impacto das Tarifas dos EUA na Economia Global: Uma Análise Pessoal

Apr 04, 2025

Ao longo das últimas décadas, venho gerenciando investimentos pessoais em três continentes, além de manter um interesse constante por macroeconomia e política internacional. Acredito poder contribuir com uma perspectiva baseada tanto em formação acadêmica quanto em experiência prática. O objetivo desta análise não é causar alarmismo desnecessário, mas oferecer uma reflexão fundamentada sobre o cenário econômico que se desenha.

Aproximadamente há um mês, realizei um movimento significativo em meu portfólio, transferindo a maior parte dos recursos para investimentos de renda fixa. Anteriormente, mantinha 80% em ações, predominantemente no mercado americano. Os acontecimentos recentes confirmam que foi uma decisão acertada, considerando a queda generalizada nos mercados globais, com destaque para a forte correção nos Estados Unidos.

Queda significativa nas bolsas globais após anúncio das tarifas Painel financeiro mostrando o impacto generalizado das novas tarifas: índices como Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq em forte queda (vermelho), enquanto ativos considerados mais seguros, como o franco suíço (CHF) e títulos governamentais, apresentam valorização (verde).

A análise que me levou a prever a inevitabilidade do aumento de tarifas e seu potencial impacto na economia global mostrou-se correta em sua primeira parte. No entanto, acredito que o verdadeiro impacto econômico global ainda está por vir. As correções observadas no mercado nesta semana podem representar apenas o início de um movimento mais profundo.

O Cenário Mais Provável

A situação atual pode ser resumida da seguinte forma:

Os Estados Unidos implementaram um aumento tarifário abrangente, afetando praticamente todos os seus parceiros comerciais. Este fato já está consumado. O que ainda está em fase inicial é a resposta internacional, que tende a materializar-se através de retaliações estratégicas contra os interesses econômicos americanos.

A União Europeia, por exemplo, deve adotar uma abordagem precisa, focando em produtos americanos provenientes de estados com predominância republicana. Esta estratégia visa criar um canal de comunicação direta com os eleitores que apoiam a atual administração, potencialmente forçando uma reavaliação das políticas tarifárias. No entanto, este processo de negociação tende a estender-se por meses. A equipe econômica responsável pela implementação do aumento tarifário aparenta não utilizar metodologias analíticas robustas em seu processo decisório, o que sugere uma possível incapacidade de responder adequadamente aos efeitos imediatos das tarifas.

Outros países, como o Brasil, podem implementar estratégias de retaliação mais sofisticadas - como a imposição de tarifas mais elevadas sobre serviços e, possivelmente, a tributação sobre pagamentos de royalties. Tais medidas afetariam diretamente as grandes empresas de tecnologia americanas.

O que se pode afirmar com considerável certeza é que observaremos uma redução nas importações americanas, objetivo explícito da atual política econômica dos EUA. O que parece não estar sendo adequadamente considerado é a consequente redução nas exportações americanas, um efeito colateral praticamente inevitável.

Impacto Imediato

Considere o seguinte cenário: uma empresa que exporta para os Estados Unidos, confrontada com tarifas que tornarão seus produtos 10-69% mais caros para os consumidores americanos, enfrentará uma queda imediata em suas vendas. Este impacto é previsível e mensurável. A redução no volume de negócios afetará diretamente as decisões de investimento desta empresa, podendo resultar em congelamento de contratações e, dependendo do grau de exposição ao mercado americano, até mesmo no fechamento de unidades produtivas.

Este processo afetará o mercado de trabalho nos países exportadores, com ramificações para toda a cadeia de fornecimento, tanto doméstica quanto internacional. Se o regime tarifário elevado se mantiver, é razoável prever que diversos países experimentarão redução em seu Produto Interno Bruto, com possibilidade de recessão em várias economias.

A Ilusão do Isolamento

Alguns analistas têm sugerido, possivelmente na tentativa de apresentar uma perspectiva mais otimista, que os efeitos negativos ficarão restritos aos Estados Unidos, que simplesmente se isolariam economicamente. Esta visão, infelizmente, não se sustenta quando analisada criteriosamente.

Primeiramente, a redução das vendas para o mercado americano será imediata, e novos mercados não surgem por geração espontânea. Uma empresa que exporta alumínio para os EUA e projeta uma perda de US$ 1 bilhão em receitas não pode realisticamente esperar que novos clientes surjam subitamente no Vietnã, na União Europeia ou na China. Para que tal substituição de mercado ocorresse, seria necessária uma liberalização comercial sem precedentes entre os demais países do mundo.

Embora desejável, não é realista esperar que países iniciem abruptamente novas alianças de liberalização comercial. O ambiente político internacional não favorece tal movimento. A título de ilustração: seria plausível imaginar o governo brasileiro ou o Mercosul reduzindo, em caráter emergencial, as tarifas de importação aplicadas a produtos da União Europeia, como automóveis, eletrônicos e serviços, com implementação imediata em 2025? Apesar de negociações neste sentido estarem em curso há aproximadamente duas décadas, é altamente improvável que qualquer “liberalização urgente” consiga neutralizar os efeitos do aumento tarifário americano.

A segunda razão pela qual os efeitos não ficarão restritos aos EUA é o forte efeito de contágio característico dos mercados globais. Recordemos como a crise russa de 2008 repercutiu negativamente na economia brasileira. A crise atual poderá ser consideravelmente mais severa. Todos os países com dependência comercial dos Estados Unidos, seja para importações ou exportações, serão afetados direta e imediatamente. Isso influenciará decisões de investimento em escala global, gerando efeitos secundários de grande magnitude.

A crise de 1930

Após o colapso da bolsa americana em 1929, seguido por uma profunda crise econômica, o governo dos Estados Unidos implementou um aumento tarifário comparável ao atual, o que resultou em uma crise global de proporções históricas. A possibilidade de repetição deste cenário representa uma preocupação legítima.

Imagem gerada por IA: Trump mostrando um gráfico de queda do PIB mundial. Esta é uma imagem fictícia criada por inteligência artificial, não um registro real. Imagem criada por IA: Representação fictícia de Trump apresentando dados sobre recessão econômica global

Alguns analistas têm refutado essa comparação, argumentando que o contexto atual inclui outros atores capazes de contrabalançar a influência americana, como os países do BRICS e a União Europeia. Contudo, uma análise dos dados revela que em 1929, os Estados Unidos representavam entre 15% e 20% do comércio global, enquanto hoje correspondem a aproximadamente 13%. A diferença, portanto, não é substancial.

Existe, no entanto, uma distinção significativa que oferece algum otimismo: em 1930, o aumento tarifário foi generalizado, com todos os países elevando suas tarifas mutuamente. Na situação atual, como já observado nas ações da China, é provável que os países direcionem suas retaliações especificamente aos Estados Unidos. Consequentemente, a crise de 2025 pode ser consideravelmente menos severa que a de 1930.

Incertezas e Perspectivas

Estimo em aproximadamente 50% a probabilidade de uma recessão global em um futuro próximo, mas é importante reconhecer as incertezas inerentes a qualquer projeção econômica. Existe a possibilidade de que a administração americana reverta o aumento tarifário. Também é possível que os demais países realizem um esforço sem precedentes de liberalização comercial multilateral (excluindo os EUA), preservando assim a vitalidade do comércio global. Diversas alternativas para evitar a crise ainda estão disponíveis, e o tempo para implementá-las ainda não se esgotou.

Por precaução, considero prudente manter meus investimentos em ativos de menor risco. Esta decisão, entretanto, introduz um dilema: se uma parcela significativa do mercado adotar postura semelhante de aversão ao risco, poderemos observar um rebalanceamento expressivo de capitais, potencialmente mais intenso que o ocorrido recentemente. Assim, mesmo que a crise seja teoricamente evitável, o comportamento coletivo dos agentes econômicos pode acabar por precipitá-la.

Compartilhar esta análise representa, portanto, um dilema ético, pois ao alertar para riscos potenciais, posso inadvertidamente contribuir para sua concretização. Não obstante, mantenho a esperança de que o cenário efetivo se revele menos severo que o aqui projetado.